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CONFECÇÃO DE TECIDOS FEITOS A PARTIR DE MATERIAIS BIOTECNOLÓGICOS – OS BIOTECIDOS[1].

NEVES, Jeferson Silva Ferreira das[2]

RAMOS, Luciana Ferreira[3]

Universidade do Estado da Bahia – UNEB/DEDC/Campus VIII


Você conhece, certamente, o termo "couro” sintético ou “couro” ecológico e pode ter usado objetos feitos desse material. Entretanto, é importante saber que usar uma dessas expressões, é ferir a Lei 4.888/65. “Esta é a chamada Lei do Couro e é para que ela seja conhecida por indústrias, lojistas e consumidores” (CICB, s/d), e assim evitar que o consumidor seja enganado e, ao mesmo tempo evitar o “mau uso da terminologia ‘couro’, material que, além de diferenciar-se por suas características estéticas e de durabilidade, também se destaca por seu criterioso processo fabril” (DUGAUCHO, 2018).


O ciclo de vida de produtos alternativos aos de origem animal, feitos de polímeros de poliuretano à base de petróleo deve despertar nossa atenção. "Como o plástico, os tecidos sintéticos levam 300 anos para se decompor. Durante o processo de decomposição, o dióxido de carbono é liberado e contamina o solo. Devido ao desgaste das fibras sintéticas, eles vão liberar microplásticos até na água” (UOL/ECOA, 2021).


O couro, legítimo, é feito de peles de animais e tem várias consequências, como desmatamento e emissões de gases de efeito estufa associadas à pecuária. Além da crueldade com os animais, o processo usado no tratamento da pele é chamado de bronzeamento e usa produtos químicos nocivos (UOL/ECOA, 2021).


Em meio aos problemas ecológicos causados por produtos confeccionados à base de polímeros do petróleo, altamente poluente, e os produtos confeccionados à base do desmatamento, sofrimento de animais e uso de produtos químicos tóxicos, têm surgido várias ideias, como alternativa, que podem ser consideradas propostas econômicas sustentáveis, promissora para a América Latina (UOL/ECOA, 2021), formada por países que sofrem forte ataque em suas riquezas naturais (devastação florestal, mineração etc.)


Existem muitas pesquisas envolvendo a produção de biotecidos, que pretendem ser alternativas ecológicas, de fato. Vejamos algumas dessas ideias:


1) Tecido de cacto


O desenvolvimento do tecido à base de cacto, teve início com a pesquisa de dois jovens mexicanos que se conheceram na Universidade de Cingapura e lá, iniciaram a busca por alternativas sustentáveis ao couro e não cruéis para com os animais. “... após pesquisas bem-sucedidas na área têxtil: criaram um tecido respirável, resistente e parcialmente biodegradável à base de cactos. Isso mesmo, cacto.” (UOL/ECOA, 2021).



“Somos mexicanos, então temos que estudar a produção em massa de solo, o que nos permitirá encerrar um ciclo de produção sustentável sem produzir água residual ou resíduos prejudiciais ao meio ambiente. Nossa preocupação com o meio ambiente leva em consideração as emissões de carbono.” (UOL/ECOA, 2021).


Durante todo o processo de produção localizado no México, as comunidades locais são contratadas e apenas as mercadorias enviadas para clientes internacionais são transportadas por navio ou avião, que emitem poluentes. O tecido à base de cacto foi inspirado no tecido Piñatex, que foi criado em 2015 pela pesquisadora e designer Carmen Hijosa como um "tecido" feito de fibras de folhas de abacaxi. Para fazer um metro quadrado de tecido, são necessárias cerca de 480 folhas de abacaxi obtidas na agricultura familiar. Após a extração da fibra em um processo semiautomático, ela é embebida em resina de ácido polilático à base de milho e enviada para a Espanha para processamento industrial final. (UOL/ECOA, 2021).



2) Texticel Biotechnology: sustentável e brasileiro


Quanto mais pessoas buscarem e consumirem os tecidos alternativos, mais oportunidades haverão de entrar em grandes mercados. Há, também, pesquisadores brasileiros que estão desenvolvendo produtos muito interessantes. Uma delas é a BIOTECAM, empresa especializada em tratamento de água, fundada por dois engenheiros ambientais e químicos que encontraram a moda por acidente. “Em 2017, consultamos o Museu do Amanhã do Rio de Janeiro, que está com problemas relacionados à refrigeração. Conhecemos o laboratório do Amanhã, fizemos alguns seminários no laboratório e esses seminários vão virar exposições. Na época, o mote era “É a moda do futuro” (JONES, 2020).


Existe a ideia de wearable [equipamento de tecnologia vestível], mas também existe o desejo de criar biotecido. Wim Degrave, químico, um dos fundadores da BIOTECAM, que desenvolve a produção de tecido / membrana bacteriana, explica que a Texticel Biotechnology está atualmente visando um segmento de mercado composto por consumidores que estão mais preocupados com as questões ambientais. A produção desta empresa iniciante ainda é pequena, apenas 4 metros quadrados. Mas Degrave negocia um aumento de escala, graças à recente aprovação de projetos de automação de processos produtivos (JONES, 2020).



Essa é uma área de pesquisa em franco desenvolvimento, como o projeto de pesquisa de doutorado de Andreia Sofia de Sousa Monteiro, desenvolvido no Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (IQ-UNESP), em Araraquara (SP), com bolsa da FAPESP, no qual a pesquisadora “explorou o uso da nanotecnologia para agregar novas propriedades às membranas de celulose bacteriana. (...) Uma membrana com propriedades de fácil limpeza repele líquidos como suor humano e outras sujeiras” (JONES, 2020), afirma a pesquisadora Andreia Monteiro.


3) Microsilk e Mylo


Nos Estados Unidos, a Bolt Threads, com sede na Califórnia, lançou duas biotecnologias diferentes. O primeiro é um microfilamento feito de fios semelhantes a teias de aranha, produzidos apenas por leveduras de bioengenharia com genes de aranha. Esse material, denominado Microsilk, foi utilizado pela estilista britânica Stella McCartney para confeccionar várias peças. Outro tipo de tecido é um "couro" bioprocessado feito de células miceliais, cujo nome comercial é Mylo, utilizado na confecção de roupas, cintos e sapatos (JONES, 2020).


Para Silgia Aparecida da Costa, engenheira química com especialização em biotecnologia industrial, e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Têxtil e Moda da Faculdade de Letras, Ciências e Humanidades (EACH-USP) da Universidade de São Paulo, o desafio da cooperação com a biotecnologia é a expansão da escala, já que a indústria têxtil requer produção em massa. Hoje, os tecidos biológicos podem ser usados ​​para acessórios de pequena escala e produção de roupas. "Esta é uma produção de nicho" (JONES, 2020), ou seja, é uma produção específica, para um mercado específico.


A produção da biotecnologia leva cerca de um mês, dependendo da espessura e da cor a ser tingida, da palha ao Marrom escuro. O preço de uma folha de tecido com um tamanho de painel padrão de 30 x 50 centímetros (cm) varia de 6,80 à 13,68 reais. Conforme a escala se expande, o preço deve cair (JONES, 2020).


Nas imagens abaixo, é possível visualizar a estrutura dos tecidos Microsilk e Mylo.


4) Dispositivo vestível à base de chá e bactérias


A produção de um dispositivo vestível, no qual serão inseridos produtos microeletrônicos nas roupas, conta com a cooperação de organizações de celulose baseadas em bactérias, que se tornarão a matéria-prima para os experimentos. No chá que dará origem ao biotecido, são cultivadas bactérias sem fermento. Além disso, a composição do meio (a “receita” para o crescimento bacteriano) é completamente diferente. No kombuchá tradicional, é usada glicose e propriedades para dar sabor ao líquido. No nosso caso, a finalidade não é consumir o líquido, usamos outra bactéria com nutrientes para se multiplicar e formar mais celulose. As bactérias usadas no “chá” produzem celulose macroscopicamente, ocupando toda a superfície do recipiente em que crescem. O resultado é uma "folha" no formato deste recipiente (Figura 1). “Recolhemos a celulose semelhante à gelatina e processamos (pode variar dependendo da finalidade do produto). São muito hidratados, por isso é necessário dar mais uma etapa neste processo, nomeadamente a secagem, que demora algum tempo” (UOL/ECOA, 2021). (Figura 2).





5) Tecido de fungos: recurso amigo do meio ambiente


Resultado de uma série de etapas que transformam a pele de animais como, por exemplo jacarés, cobras cangurus dentre outros, o couro, é destinado a artigos referidos ao vestuário e demais fins; como consequência ambiental, podem liberar produtos químicos e perigosos para o meio ambiente (ECYCLE, 2020).


Na fabricação do couro, a água tem papel importante, e pensando nisso a Embrapa Pecuária Sudeste tem reutilizado a água para o curtimento, para minimizar os impactos ambientais, através do “uso de taninos vegetais e curtentes sintéticos. Além disso, o reuso da água tem sido uma opção promissora para reduzir o gasto com esse recurso natural, mantendo a qualidade do produto final” (ROSSO, 2014). Em contrapartida, a utilização da fabricação de tecido à base de fungos para fins semelhantes, por exemplo, bolsas, tem importante potencial a ser considerado como uma das melhores opções para substituir o couro animal, por ser um produto renovável e sustentável.


Segundo Jones et al. (2021), o tecido à base de fungos é fruto da reciclagem de baixo custo de subprodutos agrícolas e florestais em polímeros quitinosos e outros polissacarídeos onde é utilizado um crescimento biológico de fungos natural e neutro em carbono processado. Após as etapas de tratamento físico e químico, essas folhas de biomassa fúngica são visualmente semelhantes ao couro, exibindo materiais comparáveis ​​e propriedades próprias ao tato.



Considerar que a associação entre a criatividade humana, a potencialidade que a natureza contém e as possibilidades que a ciência oferece, opções menos degradantes para o meio ambiente, possibilitando que a humanidade utilize de forma consciente recursos já existentes naturalmente, é fundamental para a concretização de um desenvolvimento socioeconômico verdadeiramente sustentável.


Dessa forma, é possível providenciar melhorias no campo imensurável que a ciência oferece, e possibilitar ao ser humano o suprimento de suas necessidades diárias, em harmonia com a sustentabilidade ecossistêmica.





[1] Texto de divulgação científica, elaborado para a Disciplina Estágio Supervisionado II, sob a orientação da Profa. Dra. Josilda B. Lima M. Xavier. Publicação no BioBlog do site LabCriat-Umbuzeiro: https://www.labcriatumbuzeiro.com/ em abril/2021.


[2] Estudante do 8º período da graduação no Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da UNEB/DEDC/Campus VIII – Paulo Afonso.


[3] Estudante do 8º período da graduação no Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da UNEB/DEDC/Campus VIII – Paulo Afonso.



REFERENCIAS


ARIOCH, David. Não existe couro de origem animal sustentável. 2020. Disponível em: https://vegazeta.com.br/nao-existe-couro-de-origem-animal-sustentavel/. Acesso em: 10 abr. 2021.


CICB. Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil. Disponível em: https://cicb.org.br/cicb Acesso: 12/04/2021.


DUGAUCHO. Lei proíbe uso dos termos couro sintético e couro ecológico. Blog Du Gaúcho / Notícias. Publicado em 7 de fevereiro de 2018. Disponível em: http://dugaucho.com.br/?p=14488 Acesso: 12/04/2021.


JONES et al. Biofabricação de materiais semelhantes ao couro com fungos. Nat Sustain n. 4, p. 9–16, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1038/s41893-020-00606-1. Acesso em: 10 abr. 2021.


JONES, Frances. Roupas feitas de bactérias. Revista Pesquisa Fapesp. Edição nº 291 de maio de 2020. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/en/clothes-made-of-bacteria/


JONES, F. Roupas feitas de bactérias. Journal of Sol-Gel Science and Technology, v. 89, n. 15, jan 2019, p. 78–81, 2020.


ROSSO, Gisele. Reuso da água no curtimento de couro reduz custos e impacto ambiental, 2012. Disponível em: https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/1747660/reuso-da-agua-no-curtimento-de-couro-reduz-custos-e-impacto-ambiental. Acesso em: 10 abr. 2021.


UOL/ECOA. Tecidos feito à base de cacto e de bactérias substituem o couro animal. Uol/Ecoa; 03 de fevereiro de 2021. Disponível em: https://www.progresso.com.br/variedades/moda/tecidos-feito-a-base-de-cacto-e-de-bacterias-substituem-o-couro-animal/379186/


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