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Como seus alimentos estragam?

GOMES, Elian Souza.[1]

Universidade do Estado da Bahia – UNEB


Encontrar alimentos estragados que você acabou esquecendo fora da geladeira é algo rotineiro, pois já aconteceu pelo menos uma vez com todos nós. Mas você já parou para pensar em como e por que isso acontece? Neste texto você irá entender que, apesar do incômodo que é causado pela deterioração de alimentos, a decomposição da matéria orgânica representa um mecanismo essencial para toda a vida na terra.



O que são os fungos, afinal?


Na maioria dos casos, os alimentos são “estragados” quando são colonizados por microrganismos, dentre estes, os mais comuns são os fungos. Quando se fala de fungos, geralmente uma imagem que facilmente vem à mente de muitos é a de um cogumelo, mas eles são bem mais do que isso.


Os fungos, ao contrário do que algumas pessoas ainda podem imaginar, são seres vivos que não são plantas e nem mesmo animais, tendo um reino só para eles, o chamado Reino Fungi. E o mais interessante talvez seja o fato de que eles estão mais proximamente relacionados com os animais do que com as plantas, apesar de ainda possuírem algumas particularidades em comum com esses outros reinos.

Contudo, nem sempre se acreditava que eles mereciam um reino à parte, pois eram colocados junto ao grupo das plantas. Esses seres tão especiais, tiveram seu próprio reino nomeado, recentemente, no ano de 1969, no chamado reino Fungi (TRABULSI, 2008).

Desde então, houve mais estudos que evidenciaram muitas características únicas aos fungos, havendo a descrição de mais de 140 mil espécies (JAMES et al., 2020). No entanto, de acordo com algumas estimativas, esse número pode chegar a até 5 milhões, sendo potencialmente o grupo mais diversificado de organismos do planeta, depois dos insetos (SANTOS, 2015).


Como os fungos estragam o seu alimento?


Agora que você já sabe que aquele bolor ou mofo que cresce nos alimentos são, na verdade, fungos; entretanto, ainda fica uma pergunta no ar: como, exatamente, esses seres vivos, “aparecem” nos alimentos? Essa é uma pergunta muito pertinente, já que é muito comum guardarmos nossos alimentos em recipientes fechados, em bolsas plásticas e até na geladeira, sendo que mesmo assim eles ainda podem estragar os alimentos.


É por esse motivo que precisamos conhecer melhor uma das principais características que tornam os fungos tão presentes no nosso cotidiano. De maneira análoga às plantas, que se propagam pelo ambiente através das sementes, os fungos também produzem as suas “sementes”, chamadas de esporos.


É aí que encontramos a nossa resposta: os esporos são estruturas tão pequenas, mas tão pequenas, que são encontrados milhares destes em suspensão no ar a nossa volta. Inclusive o ar que respiramos neste momento, muito provavelmente, está repleto de esporos microscópicos!


Um exemplo de que podemos estar inalando esporos de fungos, foi a realização da pesquisa que estimou que um adulto respira, todo dia, cerca de 100 esporos da espécie de fungo Aspergillus fumigatus, uma das espécies mais frequentemente associadas a alimentos mofados (KWON-CHUNG; SUGUI, 2013).


Outro fato impressionante sobre os esporos dos fungos é o seu tamanho. Ainda de acordo com a pesquisa mencionada anteriormente, os esporos de Aspergillus fumigatus chegam a um tamanho aproximado de 3 micrômetros (µm), um tamanho tão pequeno que, para se ter uma ideia, na ponta de uma caneta esferográfica caberiam facilmente mais de 300 esporos deste fungo.


Os esporos produzidos pelos fungos fazem parte do seu ciclo de vida, podendo estes serem de origem sexuada, quando há o cruzamento de fungos sexualmente diferentes, e por origem assexuada, através de uma simples divisão celular.


Os esporos assexuais são os causadores mais frequentes na contaminação de alimentos, sendo produzidos pelos fungos em partes do seu corpo, chamados de conídios, representando a principal forma de reprodução dos fungos na natureza (TRABULSI, 2008). Em alguns outros casos, são formadas estruturas assexuais denominadas esporângios.


O melhor exemplo de fungos que produzem esporos sexuais muito marcantes são os cogumelos, em que algumas espécies ejetam uma “nuvem” contendo milhares de esporos sexuais, chamados de basidiósporos. Outro exemplo de esporos formados sexualmente são os esporos do grupo de fungos mais diverso do reino, os chamados ascomicetos, que produzem os ascósporos.


A produção de esporos permite uma habilidade incrível aos fungos, de se espalharem tão rapidamente e tão amplamente, concebendo a estes microrganismos uma característica, chamada de ubiquidade. Esse termo se refere ao fato de que os microfungos, junto com outros microrganismos, podem ser encontrados em praticamente qualquer lugar, principalmente por causa do seu tamanho extremamente pequeno e fácil dispersão através de seus esporos (CÂNDIDO; TUNON; CARNEIRO, 2009).


A ubiquidade dos fungos se reflete na sua distribuição pelo nosso planeta, sendo encontrados em vegetais, na água, em animais, no homem e em detritos no solo, onde participam ativamente na reciclagem dos elementos minerais na natureza. Além disso, a dispersão dos seus esporos acontece por outras vias além do ar e dos ventos, tais como: animais, homem, insetos e água (TRABULSI, 2008).



Como o fungo consegue crescer no nosso alimento?


Agora que já estamos cientes de que os esporos são o principal meio pelo qual os fungos contaminam nossos alimentos, podemos avançar um pouco mais e conhecer como, exatamente, eles irão crescer no alimento e quais as condições perfeitas para o surgimento dos bolores. Vamos tomar como um exemplo o pãozinho do café da manhã.


Após a sua primeira refeição do dia, alguns pães sobraram e você decide guardá-los numa sacola plástica fechada, dentro do seu armário. Em questão de pelo menos um ou dois dias, caso não sejam consumidos dentro do prazo de validade, após a embalagem original ser aberta (pão de forma) ou após a sua produção (padaria ou em casa), os pães, possivelmente, estarão mofados.


Por que isso acontece? Isso ocorre porque foram dadas a esses organismos as principais condições ambientais que são perfeitas para que seus esporos, presentes no ar daquela embalagem, mesmo fechada, possam crescer. As condições ideais são:

· Substrato (o alimento);

· Umidade (água);

· Temperatura.


Quando se fala em substrato, este será o meio em que o fungo irá crescer e se alimentar. No nosso exemplo, o substrato é o pão, mas poderia ser qualquer outro alimento ou fruta que sirva de fonte nutritiva para o fungo.


Ao armazenar o alimento em um ambiente fechado, seja uma embalagem plástica, como foi o exemplo dado, ou mesmo alguma vasilha de plástico vedada, a umidade tende a aumentar, ficando “abafado”, gerando um clima perfeito para os fungos, com acesso à água, fundamental para o seu crescimento. Por último, a temperatura talvez seja o fator mais importante para a contaminação de alimentos, junto à umidade.


Segundo Santos (2015), a temperatura considerada ótima para a maioria dos fungos crescerem está entre 20 e 30 °C (SANTOS, 2015). Por esse motivo o autor também considera necessário o congelamento do alimento como forma de inibir a atuação dos fungos decompositores.


Essa afirmação pode explicar a razão de alguns alimentos guardados na geladeira, mas não no congelador, ainda assim acabarem ficando embolorados. Nesses casos em que o alimento está submetido a uma temperatura baixa, mas não suficientemente baixa, as atividades enzimáticas dos fungos sobre o alimento podem até ser reduzidas, mas não cessam totalmente, o que apenas prolonga a validade do alimento.


Quando atendidas essas condições, o esporo depositado na superfície do alimento, no nosso exemplo, o pão, será dado início ao crescimento de estruturas filamentosas e semitransparentes, com a espessura de uma célula, chamadas de hifas. Assim que é formada uma massa dessas hifas, esse conjunto é denominado micélio e é basicamente o corpo da colônia do fungo que cresce no seu alimento, naquilo que vemos à olho nu e comumente chamamos de mofos ou bolores. Essas colônias filamentosas podem ter uma consistência/aparência algodonosa, aveludada ou pulverulenta, podendo inclusive variar a sua coloração (TRABULSI, 2008).


Vale pontuar que os fungos que colonizam os alimentos embolorados se alimentam destes por meio da absorção dos nutrientes, sendo por isso chamados de saprobiontes (WEBSTER; WEBER, 2007). Essa forma de nutrição, a saprofagia, é uma forma de alimentação muito característica do reino Fungi, pois é diferente dos animais que normalmente ingerem o alimento (predação) e das plantas que produzem o seu próprio (fotossíntese).


Micotoxinas: o perigo dos alimentos embolorados


Ainda se tratando de fungos contaminantes de alimentos, eles tornam tais produtos não consumíveis, pois algumas espécies liberam substâncias tóxicas, que são chamadas de micotoxinas (mico = produzidas pelos fungos). A ingestão de alimentos contaminados com essas toxinas pode causar condições médicas, tais como doenças no sangue, distúrbios no sistema nervoso, dano nos rins e no fígado e até mesmo câncer (TORTORA; FUNKE; CASE, 2017).


Outro exemplo de caso clínico de infecção por fungos ocorre quando inalados os esporos de Aspergillus, um gênero de fungos muito comum em alimentos embolorados, na condição medica chamada de aspergilose. A inalação desses esporos pode prejudicar a condição de saúde de pessoas que já possuem algum tipo de doença pulmonar debilitante ou mesmo câncer, mas também pode afetar gravemente pessoas saudáveis que inalaram grandes quantidades de esporos fúngicos (TORTORA; FUNKE; CASE, 2017).


Uma das micotoxinas mais conhecidas e estudadas são as aflatoxinas. Estas são produzidas por fungos que contaminam grãos (milho, soja, amendoim etc.) estocados em condições que permitem o seu crescimento. As aflatoxinas podem afetar a saúde de aves e mamíferos domésticos pelo consumo de rações mal estocadas ou afetar diretamente o ser humano. As aflatoxinas são consideradas toxinas potentes e cancerígenas, causando distúrbios digestivo e até a morte (SANTOS, 2015).



Saprobiose: a importância dos fungos na decomposição


Pode parecer que os fungos só existem no nosso planeta para nos causarem prejuízos, contaminando nossos alimentos, nos causando doenças e impactando diretamente na agricultura. Mas apesar disso tudo, os fungos possuem grande importância por serem os “lixeiros” do nosso planeta.


Junto com as bactérias heterotróficas, os fungos são os principais decompositores do nosso planeta (SANTOS, 2015). Existem algumas espécies capazes de digerir, além de compostos orgânicos, outras substâncias orgânicas mais complexas como a quitina (presente no exoesqueleto de insetos), a lignina (presente na casca de árvores), osso, couro e materiais plásticos, fazendo com que os nutrientes inorgânicos destes “alimentos” possam retornar ao solo e serem utilizados pelas plantas e estas pelos animais (TRABULSI, 2008; SANTOS, 2015). (Grifo nosso)


Essas propriedades metabólicas dos fungos têm sido cada vez mais utilizadas na ciência, como ferramenta principal de um novo ramo que unifica as áreas da ciência e da indústria, denominada biotecnologia (BEATRIZ; CAMBAZA, 2015).


Contudo, a capacidade de decomposição dos fungos também traz alguns impactos negativos na vida humana. Isso porque os fungos, como decompositores, também podem degradar muitos outros materiais de importância para nós, tais como tecidos, tintas, papelões, couros, ceras, combustíveis, petróleo, madeira, papeis, isolamento de cabos e fios e lentes de equipamentos ópticos (SANTOS, 2015).


O que mais existe no mundo dos fungos?


Agora que você conhece os fungos, não apenas como cogumelos, mas também como microrganismos de importância devido aos seus impactos negativos e positivos na nossa vida, vale citar um pouco mais da incrível diversidade deste reino.


Além das espécies saprobiontes, aquelas que são capazes de decompor e se alimentar de material orgânico, existem outros nichos ocupados pelos fungos, através de relações benéficas, chamadas de mutualismo, com raízes de plantas (micorrizas) e com microalgas e cianobactérias (liquens). Algumas interações entre os fungos e outros seres vivos também são comuns, onde eles agem como parasitas e hiperparasitas, controlando as populações de animais e vegetais ao causarem doenças nestes e fortes impactos na agricultura e saúde (SANTOS, 2015; WEBSTER; WEBER, 2007).


Como pode ser verificado na imagem acima, a diversidade do reino Fungi é algo surpreendentemente amplo e, portanto, não caberia espaço aqui para discutir sobre todo seu espectro.


Possivelmente, em uma próxima publicação, falarei mais sobre a biodiversidade deste grupo ainda pouco explorado e reconhecido!





[1] Graduando do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas / UNEB / DEDC / Campus VIII.




REFERÊNCIAS


BEATRIZ, C.; CAMBAZA, E. Biologia dos Fungos. [S.l.]: Universidade Eduardo Mondlane, 2015.


CÂNDIDO, A. L.; TUNON, G. I. L.; CARNEIRO, M. R. P. Microbiologia Geral. São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe: CESAD, 2009.

JAMES, T. Y. et al. Toward a Fully Resolved Fungal Tree of Life. Annual Review of Microbiology, p. 291–313, 2020. Disponivel em: <https://doi.org/10.1146/annurev-micro-022020-051835>.


SANTOS, E. R. D. D. Material Complementar ao livro Sistemática Vegetal I: Fungos. Florianópolis: [s.n.], 2015.


TORTORA, G. J.; FUNKE, B. R.; CASE, C. L. Microbiologia. 12ª. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.


TRABULSI, L. R. Microbiologia. 5ª. ed. São Paulo: Atheneu, 2008.


WEBSTER, J.; WEBER, R. W. S. Introduction to Fungi. 3ª. ed. [S.l.]: Cambridge, 2007. Disponivel em: <https://www.cambridge.org/br/academic/subjects/life-sciences/plant-science/introduction-fungi-3rd-edition?format=PB&isbn=9780521014830>.


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