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COLONIALISMO MOLECULAR. Um novo conceito, para uma antiga forma de domínio.

XAVIER, Josilda B.L.M. [1]

Universidade do Estado da Bahia - UNEB



Para entender o que significa COLONIALISMO MOLECULAR, é preciso “visitar” a história e os conceitos sobre colonialismo, discussão muito atual entre os(as) investigadores(as) de diversas áreas (Geografia, Sociologia, História, Economia, Antropologia, Ecologia, entre outras), que estão preocupados(as) em identificar a forma como o colonialismo se “camufla” para continuar dominando e definindo comportamentos em todo o planeta. Ou seja, usando uma linguagem ecológica: como o colonialismo usa o mimetismo (camuflagem), enquanto predador, para surpreender suas presas, os países pobres e/ou periféricos, na América Latina, África e Ásia.


Em sua tese doutoral, Silva (2019), afirma que “O colonialismo na América está na base constitutiva da modernidade e do crescimento do capitalismo global". Segundo a autora o colonialismo é "uma prática de dominação, exploração e hierarquização social que derivou da inferiorização, desumanização e subalternização, sustentada pela ideia de raça". O processo do COLONIALISMO TERRITORIAL, é um marco da chamada Revolução Comercial no Século XI (MOREIRA, s/d), gérmen do capitalismo, iniciado no século XIV pelo sistema mais tenaz de colonização já existente, o império inglês. (DUARTE, 2020)


Entretanto, o domínio do humano sobre outro humano e em relação a natureza, não acabou; como sempre, o capitalismo tem buscado novas formas de colonialidade; uma delas é o COLONIALISMO BIOCULTURAL, que é destacado por Miranda (2017), quando afrima que “quinhentos anos depois, o novo colonialismo encontra-se em curso, sendo a cultura e a biodiversidade os novos produtos de exploração”. Nesse sentido, Vandana Shiva nos alerta para o “controvertido patenteamento de formas de vida, as quais são redefinidas, pretensiosamente, como invenções biotecnológicas” (MIRANDA, 2017):


“A biodiversidade foi redefinida como `invenções biotecnológicas´, para tornar o patenteamento de formas de vida aparentemente menos controvertido. Essas patentes são válidas por 20 anos e, portanto, cobrem gerações de plantas e animais. No entanto, mesmo quando cientistas em universidades embaralham genes, eles não `criam´ o organismo que a seguir patenteiam”. (Grifo nosso) Não é a toa que o mercado de patentes, é um "negócio" em ampla expansão.



Uma outra forma de colonialismo, é descrita no artigo, “O colonialismo climático como nova estrutura hegemônica” de Petra Schönhöfer (2019), no qual a autora chama a atenção para algumas ações promovidas pelos chamados países ricos como a Alemanha: consumo elevadíssimo de combustíveis fósseis, minerais, minérios metálicos e biomassa fóssil (em 2018 cerca de 1,3 bilhão de toneladas), “destinados à engenharia mecânica, automóveis e equipamentos eletrônicos". Nesse artigo, fica evidenciado que "(...) O consumo na Alemanha é 10% superior à média europeia e até mesmo 100% superior à média mundial. (...) Enquanto muitos países do Sul Global, especialmente na África, América Latina e Caribe, estão se tornando cada vez mais dependentes da exportação de matérias-primas não processadas, a maior parte do valor agregado permanece nos países do Norte”, significando um alto índice de desemprego, devastação ambiental e mão de obra barata, nos países explorados. (Grifo nosso)



Infelizmente os números apresentados acima, em relação ao consumo de um país europeu, a Alemanha, ao lado de outras nações industrializadas, é a comprovação de que esses países vivem às custas ecológicas de outros países, caracterizando o conceito de COLONIALISMO CLIMÁTICO que, configura “... um modelo de desenvolvimento que gera bem-estar para a população dos países industrializados. Um bem-estar que só é viável em função da exploração de países menos desenvolvidos. Os países ricos estão terceirizando fardos para países com pegadas menores”, explica o biólogo molecular e filósofo Christoph Rehmann-Sutter em seu ensaio “Parem o colonialismo climático”. (SCHÖNHÖFER, 2019). (Grifo nosso)


O colonialismo, portanto, “está atrelado a uma estrutura imperialista de dominação, através da qual nações construíram assentamentos em áreas remotas para trazer bens e produtos para casa. (...) Considerando o quão unilateral é o poderio econômico global, fica claro que essa definição também pode ser aplicada a questões climáticas. (...) Quando falo sobre colonialismo climático, faço-o com a ressalva de que essa forma de externalização espacial e temporal de áreas produtivas torna mais difícil reconhecer as estruturas imperialistas que os países envolvidos empregam para dominar os habitantes de outros países. Ainda existem, evidentemente, estruturas de poder entre os países ricos industrializados e os territórios antes colonizados por eles, especialmente no nível econômico” (SCHÖNHÖFER, 2019), reafirma o biólogo molecular e filósofo Christoph Rehmann-Sutter. (Grifo nosso)


Não satisfeitos com as novas formas de colonialidade (Colonialismo Biocultural, Colonialidade Climática), humanos que se consideram uma “espécie” superior em relação a outros humanos que não tem a mesma origem territorial, prioritariamente europeia ou estadunidense, tem avançado inexoravelmente, com a ajuda de “governos”, com o chamado COLONIALISMO MOLECULAR. (INHABITANTS, 2018), principalmente com a liberação massiva de agrotóxicos.


Para entender esse novo conceito, não podemos esquecer dos outros sistemas de domínio (territorial, econômico, biotecnológico) que vem sendo estruturado há pelo menos 10 séculos. Nesse sentido Mendes (2018), chama a atenção para “a recente aquisição da empresa de biotecnologia agrícola e agroquímica Monsanto [EUA] pela farmacêutica e química Bayer [Alemanha], união emblemática de um momento crucial no curso da política planetária." Com o aumento populacional e a "crescente procura de alimentos permitiu que a agricultura intensiva fosse promovida a nível global. Estes modos de produção alimentar recuperam métodos de produção monocultural que começaram com regimes coloniais e foram intensificados com a Revolução Industrial, naquilo que se constituiu como uma mudança agroeconômica planetária de um impacto tremendo”.


Entre as monoculturas que mais afetam o planeta, "o milho e a soja, base da indústria alimentícia em todo o mundo, tanto para humanos quanto para outros animais (porcos, aves, gado bovino etc.), são as razões pelas quais "um conjunto de indústrias de agrotóxicos multinacionais, como a Monsanto-Bayer, sediadas na Europa, EUA e China, uniu-se à “indústria alimentar e das sementes patenteadas, produzindo também herbicidas, organismos geneticamente modificados e pesticidas. Estes produtos intervêm de forma direta nos métodos de cultivo para aumentar a taxa de produção das colheitas, assinalando um domínio do mercado” (MENDES, 2019)


A Europa (principalmente Alemanha e Suíça) é quem lidera as vendas de agrotóxico proibidos em seus territórios, para países da América Latina e da África (países do chamado “sul global”) onde os agrotóxicos são, literalmente, despejados. A pesquisadora Larissa Mies Bombardi, do Laboratório de Geografia Agrária – FFLCH-USP, em seus mais recentes trabalhos – “Geografia do uso de agrotóxicos no Brasil e conexões com a União Europeia” (2017) e “Geografia das assimetrias, o círculo do veneno e colonialismo molecular” (2021) -, denuncia as formas pelas quais as relações entre Mercosul e União Europeia, nas exportações de mercadorias (agrícolas, commodities) e as importações de agrotóxicos efetivam mais um tipo de colonialismo dos países europeus em relação aos países da América do Sul, entre eles, o Brasil.


Para Bombardi (2017), a relação desenvolvida entre os grupos de países desenvolvidos e os do Sul Global (América Latina e África), é mais um tipo de “Colonialismo porque reproduz uma lógica colonial que a gente já vive e molecular porque essas moléculas de venenos estão e estarão impregnadas em nossos organismos, nossos ecossistemas”.


Em “Geografia das assimetrias, colonialismo molecular e círculo de envenenamento”, trabalho apresentado por Larissa M. Bombardi no Parlamento da Bélgica, em 27 de abril de 2021, constituído com mais de 130 mapas e gráficos que mostram os níveis de resíduos dos agrotóxicos, o conceito de “círculo de envenenamento” é justificado pelo fato de que “os agrotóxicos são fabricados na Europa, vem para o Brasil e são utilizados nos alimentos, e voltam para a Europa pelas exportações”. BOMBARDI, 2021).


Observamos, portanto, que o ciclo do envenenamento, é o impacto dos agrotóxicos em todo o mundo, inclusive nos países produtores, afetando as pessoas, as comunidades e os ecossistemas. Parte dos agrotóxicos "circulam em nossas vidas durante a produção, obtenção, intercâmbio, comercialização, manejo e consumo dos alimentos, envenenando nossos corpos e nossos ecossistemas, causando problemas não apenas físicos [saúde mental, doenças], mas, também, sociais, políticos e culturais em nossas sociedades” (FIAN-BRASIL, 2020).




Em meio a tanto descalabro, é preciso nos perguntarmos:


Até quando permitiremos que todos os níveis de “escravização”, usados pelos sistemas colonialistas (territorial, biocultural, climático, molecular), supremacistas, que se “reinventam” cotidianamente, nos coloquem sempre em condição de subserviência, considerando nossos corpos e territórios, como suas propriedades?






[1] Docente do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da UNEB/DEDC/Campus VIII. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0838920937933125



REFERÊNCIAS


BOMBARDI, Larissa Mies. Geografia do uso de agrotóxicos no Brasil e conexões com a União Europeia. São Paulo: FFLCH – USP, 2017. Disponível em: https://www.larissabombardi.blog.br/atlas2017


DUARTE, Miguel Fernandes. Achille Mbembe e o que herdamos do Colonialismo e do Imperialismo Ocidentais. Comunidade, Cultura e Arte. Publicação 7 de junho de 2020 em Críticas, Livros e Sociedade. Disponível em: https://www.comunidadeculturaearte.com/achille-mbembe-e-o-que-herdamos-do-colonialismo-e-do-imperialismo-ocidentais/


FIAN-BRASIL. Agrotóxicos en América Latina [livro eletrônico]: violaciones del derecho a la alimentación y a la nutrición adecuadas / Juan Carlos Morales González... [et al.]. -- 1. ed. -- Brasília, DF: FIAN Brasil, 2020. Disponível em: https://fianbrasil.org.br/wp-content/uploads/2021/04/Agrotoxicos-en-America-Latina-Espanol.pdf


FOLGADO, Cleber Adriano Rodrigues; SOUZA, Ranielle Caroline. Uma leitura sobre o desmonte da legislação de agrotóxicos no Brasil. Publicado em 2 de junho de 2019. Disponível em: https://forumbaianodecombateaosagrotoxicos.org/wp-content/uploads/2019/06/2.-Artigo-Semin%C3%A1rio-Internacional-Goi%C3%A1s-FOLGADO-RANI.pdf


INHABITANTS. Colonialismo Molecular: Uma Geografia dos Agrotóxicos no Brasil. Vídeo publicado em 25/10/2018. Disponível em: Website: http://inhabitants-tv.org/ ou https://www.youtube.com/watch?v=5975xLYSkvs


MENDES, Margarida. Colonialismo Molecular. Publicado outubro de 2018. Disponível em: http://inhabitants-tv.org/oct2018_colonialismomolecular/MargaridaMendes_MatterFictions_PT_132-148.pdf


MIRANDA, João Paulo Rocha de. As inconvencionalidades do marco legal da biodiversidade frente ao instituto da consulta prévia, livre e informada: um processo de colonialismo biocultural. Tese. Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade federal do Pará – Instituto de Ciências Jurídicas. Orientadora: Elaine Cristina Pinto Moreira. Belém, PA: 2017. Disponível em: http://200.239.66.58/jspui/bitstream/2011/10157/1/Tese_InconvencionalidadesMarcoLegal.pdf


MOREIRA, Luiz Guilherme S. O sentido da colonização: novas abordagens. Revista Vernáculo s/d. Disponível em: https://core.ac.uk/download/pdf/328074387.pdf


SCHÖNHÖFER, Petra. O colonialismo climático como nova estrutura hegemônica. Latitude - Repensando relações de poder – por um mundo decolonizado e antirracista. Publicado em outubro de 2019. Disponível em: https://www.goethe.de/prj/lat/pt/dis/21689473.html


SILVA, Mayane Bento da. Colonialismo e colonialidade no brasil e na Amazônia paraense. Tese. Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade Federal do Pará/Universidade de Brasília. Orientador: Prof. Dr. Daniel Jatobá. Brasília – DF, 2019. Disponível em: http://200.239.66.58/jspui/bitstream/2011/10157/1/Tese_InconvencionalidadesMarcoLegal.pdf




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