“POLINIZANDO” ESPOROS ATRAVÉS DAS PSEUDOFLORES DO FUNGO Fusarium xyrophilum
SOUZA, Pallôma Rebecka Paiva Silva[1]
SILVA, Luene Melo da[2]
Universidade do Estado da Bahia - UNEB
Sabe-se que a natureza está sempre em transformação, marcada principalmente por um fator intitulado “seleção natural”, importantíssimo para a evolução das espécies, pois é a partir dela que se desenvolvem as adaptações. Existem registros dessas alterações ao longo da história, através de fósseis, por exemplo, mas nem todas as novas adaptações notadas são datadas de um passado distante, como é o caso do recém-descoberto fungo Fusarium xyrophilum. (LABARA et al. 2020)
Mas o que contêm este fungo de tão especial para demarcar uma nova descoberta adaptativa?

A indução de pseudoflores foi documentada em apenas algumas espécies de fungos de ferrugem Puccinia monoica, e no patógeno da múmia do mirtilo. Esses fungos indutores de pseudoflores dependem de insetos para vetor de seus esporos, para que novos hospedeiros possam completar seu ciclo de vida (BATRA; BATRA, 1985). As pseudoflores imitam os traços florais do hospedeiro, enganando assim os polinizadores que facilitam a transmissão de esporos infecciosos ou cruzamento sexual em espécies heterotálicas.
Analisando uma interação planta-fungo, tem-se a formação de pseudoflores como resultado mais raro, em que sua composição é formada por tecidos fungicos em contraste com folhas modificadas documentadas em sistemas de mimetismo anteriores. Este mimetismo floral, baseado em espécies distintas assemelham-se em um determinado padrão, podendo ser confundida com outra espécie; é o que ocorre com o Fusarium xyrophilum, uma nova espécie da família Fusarium, que imita as gramas amarelas de espécies de Xyris(RUNWAL, 2021). Segundo Mota e Wanderley, 2013, Xyris é um gênero botânico com cerca de 400 espécies, que ocorrem predominantemente em regiões tropicais e temperadas. Pertencem a família Xyridaceae que é caracterizado pela presença de espécies que se mantém com o aspecto de “vivas”, mesmo após coletadas, e assim são muito utilizadas para ornamentação.
Descoberta nas Savanas da Guiana, pelo botânico Kenneth Wurdack, durante uma viagem de coleta, que percebeu a presença de “flores” diferentes no Parque Nacional Kaieteur, localizado na região de Potaro–Siparuni, na Guiana, cuja estrutura das “pétalas” era diferente e possuía um forte tom alaranjado. Ao analisar melhor, percebeu que a parte superior da flor, na verdade, era composta por um fungo, uma descoberta intrigante, visto que não há exemplos desta forma na natureza. (RUNWAL, 2021)
Averiguando a estrutura, o pesquisador identificou que o fungo causa a esterilidade da planta Xyris, impedindo que ela libere sua flor e assim, ainda de forma desconhecida, produza uma pseudoflor com estrutura semelhante a original da planta, “enganando” os agentes polinizadores que disseminam os esporos reprodutivos do F. xyrophilum, em vez de pólens, propiciando a multiplicação da espécie. (ROY, 1994)

Observando a imagem acima, é possível notar a diferença visual entre a primeira estrutura, que se trata da espécie Xyris, apresentando uma flor com presença de estruturas como pétalas e anteras, onde encontra-se o pólen, e ao lado, o fungo com coloração mais intensa e aspecto esponjoso, com mimetismo estrutural, apresentando de forma geral um arranjo como a estrutura das pétalas.
Uma “confusão” comum?
Observando a natureza, é possível encontrar espécies de fungos que imitam estruturas de flores ou as colonizam para facilitar a disseminação de esporos a partir da visita de polinizadores. A exemplo disto estão as espécies de Puccinia ssp, conhecidos como fungos de ferrugem, que colonizam partes como a folha e o caule de plantas, e que as estimulam a produzir rosetas de folhas em vez de flores, onde o fungo se desenvolve, atraindo polinizadores devido sua coloração amarelada e marcante.

Outros exemplos como este ocorrem na natureza de diversas formas. Alguns fungos estão presentes em partes de plantas que estão mortas ou entrando nesse processo, e com isto, conseguem emitir um reflexo de coloração ultravioleta, que atrai insetos polinizadores, assim como também podem emitir odores específicos, semelhantes ao das flores da espécie colonizada, o que auxilia nessa atração em virtude da continuidade da espécie. (RUNWAL, 2021)
Este mimetismo floral desenvolvido pelos fungos traz à tona uma nova perspectiva acerca do que comumente observamos na natureza, desencadeando uma série de novos comportamentos da fauna e flora, assim como da relação de mutualismo entre as espécies. Com isto, alterações são feitas dentro da ecologia de polinização, na evolução das plantas e fungos e suas formas de reprodução, além de como infecções fúngicas podem ser causadas através de novas vias de contaminação. (ROY, 1994)
Fungos e a saúde humana
Fusarium é um dos gêneros de fungos mais importantes para a agricultura, compreendendo mais de 300 espécies filogeneticamente distintas distribuídas entre 23 complexos de espécies monofiléticas e várias linhagens monotípicas (SUMMERELL, 2019). Este gênero contém uma abundância de patógenos de plantas cosmopolitas economicamente destrutivos que causa infecções localizadas ou sistêmicas em culturas importantes. Além disso, numerosas espécies de Fusarium contaminam alimentos e rações com uma ampla gama de micotoxinas, que são substâncias químicas tóxicas produzidas exclusivamente por fungos, enquanto algumas espécies evoluíram como não patogênicas endófitos de plantas (LEE et al., 2009).
A propagação de Fusarium de um hospedeiro infectado para um não infectado ocorre através da disseminação de conídios assexuados e ascósporos sexuais. No Fusarium, como em outros fungos, a reprodução sexual é governada por genes localizados no tipo de acasalamento (MAT) loci. Em espécies heterotálicas, o tipo de acasalamento é controlado por um único locus em que as cepas possuem um idiomorfo MAT1-1 ou MAT1-2 (YUN et al., 2000).

Espécies da ordem Fusarium geralmente são associadas a “pragas” em plantações, pois são conhecidas por causarem doenças principalmente em plantações, a partir de micotoxinas que produzem, em espécies que geralmente são comercializadas. Entretanto, este patógeno também atinge a saúde humana e de outros animais (LIRA et al. 2019).

O fungo Fusarium xyrophilum ainda se encontra em análise, não encontrando dados ainda sobre como sua interação direta com humanos pode apresentar riscos à saúde ou até que ponto esta espécie pode ser danosa. Entretanto a mesma pertence a uma ordem que está envolvida diretamente com altos índices de incidência em infecções humanas. (PINCELLI, et al. 2008)
A doença Fusariose é causada pelo fungo Fusarium ssp. e geralmente atinge pessoas com maior vulnerabilidade imunológica. Os sintomas da doença podem variar de dor de cabeça e dores musculares a problemas respiratórios, hepáticos, neurológicos e outros, que dependem do local onde o fungo tenha se instalado. O contágio ocorre principalmente a partir da inalação de esporos em locais próximos a plantações e solos que estejam infectados, sendo importante consultar-se imediatamente com um infectologista, pois os sintomas são similares a doenças causadas por outros fungos e, este, apresenta maior resistência aos antifúngicos que geralmente são utilizados para tratamentos. (LEMOS, 2021)
Portanto, é possível constatar que a natureza sofre mudanças constantes ao longo do tempo e que, por menores que sejam, representam uma grande importância para o âmbito científico, pois uma única mudança de caractere remete uma reestruturação em diferentes áreas, como é o caso do Fusarium xyrophilum, que a partir de seu mimetismo floral gera alterações na planta que coloniza, na indução a polinização de seus esporos e assim na infecção de outras plantas, causando uma alteração também ecológica, pelo aumento da proliferação do fungo e concomitante a isto, uma redução na população da Xyris, pela esterilidade causada a planta durante este processo.
O marco da evolução é um processo que requer diversos estudos para compreender o desenvolvimento de novas adaptações em espécies, para então identificar quais fatores levam a formação dessas mudanças e de que forma, a longo prazo, essas alterações podem causar benefícios e/ou malefícios para a natureza de forma geral, sendo essas as incógnitas que estão sendo avaliadas acerca desta nova descoberta científica.
[1]Estudante do 4º período no Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da UNEB/DEDC/Campus VIII – Paulo Afonso. [2]Estudante do 8º período no Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da UNEB/DEDC/Campus VIII – Paulo Afonso.
REFERÊNCIAS:
AMÂNCIO, M. A. V; DANTAS, J. L. Fungos “nosso de cada dia”. BioBlog – Laboratório Criativo Umbuzeiro. Publicado em: 21 de abril de 2021 Disponível em: < https://www.labcriatumbuzeiro.com/post/fungos-nosso-de-cada-dia-1> Acesso em: 11 de junho de 2021
BATRA, L.R; BATRA, S.W.T. Mimetismo floral induzida por mamã-baga fungus explora os polinizadores do hospedeiro como vetores. Science 228, 1011–1013, 1985. Disponível em:< https://science.sciencemag.org/content/228/4702/1011.long> Acesso em: 22 de Junho de 2021
CURRADO, A. Fungos – o que são, vida, reprodução, doenças e onde se desenvolvem. Conhecimento Científico / Biologia. Publicado em 03/07/2019. Disponível em: <https://conhecimentocientifico.r7.com/fungos/> Acesso em: 11 de Junho de 2021
FUHRO, D. O sistema Asclepias curassavica L., Epidendrum fulgens Brongn. e Lantana camara L. constitui um complexo mimético, com borboletas como operadores? Um estudo no Parque Estadual de Itapeva, Torres, RS. Dissertação. Orientação: Bruno Edgar Irgang. Porto Alegre, maio de 2006. Disponível em: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/8340 Acesso em: 22 de Junho de 2021
LARABA, I. et al. Fusarium xyrophilum, sp. nov., a member of the Fusarium fujikuroi species complex recovered from pseudoflowers on yellow-eyed grass (Xyris spp.) from Guyana. Mycologia, v. 112, n. 1, p. 39-51, 2020. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32956810/. Acesso em:16 de Junho de 2021.
LEE, K. et al. Fusarium verticillioides endofítico reduz a doença e severidade causada por Ustilago maydis em milho. FEMS Microbiol. Lett. 299, 31–37, 2009. Disponível em: <https://academic.oup.com/femsle/article/299/1/31/435197?login=true> Acesso em: 22 de Junho de 2021.
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