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ANTECIPAÇÃO DA MENARCA: UM PROBLEMA SOCIOECONÔMICO E NUTRICIONAL DESPERCEBIDO.

SOUZA, Pallôma Rebecka Paiva Silva[1]

Universidade do Estado da Bahia - UNEB


A puberdade é um período muito marcante na vida de meninos e meninas, pois é neste momento em que ocorrem as mudanças corporais, mudanças no comportamento, mudanças sociais.


Para as meninas, ocorre um evento marcado pelo início de um novo ciclo em suas vidas: a primeira menstruação, conhecida como menarca. É um evento tardio da puberdade e um importante indicador da maturação sexual, que ocorre, habitualmente, entre os 12 e 13 anos de idade (BARROS, 2019). Este evento dá início a uma série de alterações no corpo feminino, a partir da liberação dos hormônios sexuais femininos (estrógeno e progesterona) produzidos principalmente pelos ovários, e o hormônio folículo-estimulante (FSH, sigla em inglês) (ALBERT EINSTEIN, 2017).


A menarca é a fase em que, biologicamente, a menina inicia o período fértil, no qual alguns sintomas indicam o início desse período: dor na região da parte inferior do abdome (cólica), secreção de um líquido claro (corrimento), alterações de humor, principalmente irritabilidade e está, também, interligado a massa corporal e alimentação, pois o cérebro inicia o processo para a menarca a partir do momento em que o índice de massa corporal está acima de 40kg. (VITALLE et al., 2003; BEM-ESTAR, 2011).


Com o início da menstruação, o corpo feminino passa por diversas alterações, justamente pela liberação de hormônios, como o desenvolvimento dos seios, redistribuição da gordura corporal, alargamento do quadril, surgimento dos pelos pubianos e outros. (PALMA; DANELON, 2020).


Os sintomas da puberdade, apesar de relacionada com a adolescência, tornam-se em certa medida independente desta, pois dura um período específico, de aproximadamente dois a quatro anos, e marca o início da vida reprodutiva da menina, a partir da maturação dos óvulos e liberação dos hormônios sexuais. (PALMA; DANELON, 2020).


O início da menarca é algo que, com o tempo, foi sendo alterado, estando essas mudanças relacionadas a alimentação, ao peso corporal ou a questões genéticas. “Além de seu contexto biológico, social e psíquico, a menarca tem relevante importância como marco do crescimento e desenvolvimento humano e é o indicador de maturidade sexual mais usado. A variabilidade da data da primeira menstruação envolve características genéticas e influência ambiental, com interações complexas” (VITALLE et al., 2003).


Quando comparadas as idades da menarca entre os sécs. XIX e o séc. XX, percebe-se uma redução no início deste evento devido principalmente as condições de alimentação, pois com o maior desenvolvimento da sociedade moderna, houve uma queda no quesito nutricional da alimentação. (BARROS et al, 2019). Assim, a primeira menstruação da menina (menarca), “além de ser um indicador de maturação biológica, também mostra as mudanças que ocorrem com o desenvolvimento social e econômico das populações”. Estudos revelam que as meninas com situação “socioeconômicas mais elevados apresentam a primeira menstruação mais precocemente do que aquelas menos favorecidas, mesmo residentes no mesmo país” (VITALLE et al., 2003).



Ao analisar as mudanças no início da menarca, como o fato de a idade base para isto ter diminuído ao longo do tempo, é possível compreender e identificar as condições sociais e econômicos dos diferentes grupos populacionais, assim como também a qualidade de vida dos indivíduos, além de acesso a fatores como a nutrição, as condições de higiene pessoal, o tamanho da família, a escolaridade e outros. (CARVALHO et al, 2007)


Os opostos andam lado a lado: antecipação da menarca e aumento de peso


Dentro do campo alimentar, levando em consideração que os produtos disponíveis no mercado geralmente possuem um elevado teor de calorias, além de diversos conservantes em sua composição tornando assim a dieta de boa parte da população pobre em nutrientes e minerais (FRANÇA et al., 2009), unida a falta de exercício físico, proporciona uma grande tendência a obesidade e sobrepeso e, por conseguinte, ao início da ovulação precoce.


A obesidade é um problema de saúde pública que vem crescendo cada vez mais, não só no país mas de uma forma geral em diversas populações no mundo. É uma doença crônica não transmissível, caracterizada pelo excesso do tecido conjuntivo adiposo no organismo, que acarreta uma série de outros problemas, refletindo na saúde física e mental, pois alguns estudos já feitos mostram que os adolescentes obesos tendem a ter baixa autoestima, além do desenvolvimento de doenças cardiovasculares, sendo responsável por uma alta porcentagem de mortes (KOOP, 2017).


Muitos estudos já foram feitos comprovando a relação inversa entre a massa corpórea e a antecipação da menarca em meninas, ou seja, quanto maior for índice de sobrepeso, menor vai ser a tendência da idade da primeira menstruação


Desigualdade nutricional:

como o poder aquisitivo interfere na alimentação e no início da menstruação.


Nota-se que a alimentação exerce grande influência sobre a antecipação da menarca, remetendo também ao quesito socioeconômico da população, pois o poder monetário de uma família tem influência nos alimentos comprados e consumidos. Uma pesquisa feita por Béria et al. (2020) mostra a porcentagem em que meninas que já haviam passado pela menarca em diferentes classes sociais:



Como resultado desta pesquisa, é possível perceber que as classes com maior poder aquisitivo (A e B) possuem baixos índices de meninas que já passaram pela menarca. Em oposição a isto, mais de 50% das meninas de classe C passaram pela menarca e dentro das classes D e E, a porcentagem foi um pouco menor, mas ainda assim superior aos das classes altas” (BÉRIA et al., 2020).


Esses resultados mostram que meninas pertencentes a classes mais altas têm mais acesso a uma dieta com melhor nutrição, enquanto as classes mais baixas ficam fadadas ao consumo de alimentos com excesso de gorduras e açucares, o que irá favorecer ao surgimento da menarca precoce.


Além do fator nutricional e socioeconômico, outra questão que influencia na idade da menarca é localização regional da moradia, ou seja, se as meninas pertencem a área urbana ou a área rural. Com o avanço da tecnologia, segundo Koop (2017), as crianças dos dias de hoje, residentes da área urbana, tendem a passar mais tempo no prazer passivo, que envolve uma maior limitação de movimentos pelo uso constante de celulares e jogos.


Entretanto, crianças e adolescentes do meio rural tendem a praticar atividades físicas com mais frequência, seja pelo prazer ativo, a partir de brincadeiras que exigem diversos movimentos ou seja pelos afazeres domésticos e/ou trabalho no campo. (KOOP, 2017).


Ainda diante deste fator, além das médias de exercícios físicos serem diferentes, a localização geográfica tende a influenciar também na forma de alimentação das meninas, pois em áreas rurais, o acesso a produtos orgânicos e de maior valor nutricional leva a uma melhor alimentação, diferente do que ocorre em áreas urbanas, onde alimentos com teor nutritivo escasso são encontrados em excesso, fazendo com que a taxa de adolescentes com sobrepeso no campo seja menor do que as da área urbana. (KOOP, 2017)


A partir desses fatores citados, surgem outras preocupações com relação a saúde das meninas que moram no meio urbano a longo prazo, pois a mudança na idade da menarca pode ocasionar doenças crônicas, cardiovasculares, aumento da pressão arterial, aumento dos níveis de glicose no sangue e consequentemente, o desenvolvimento de diabetes do tipo 2, complicações hormonais, alterações hormonais, depressão­ e até câncer de mama e de útero (BUDACH 2017), além da gravidez precoce.


Portanto, é possível perceber que a antecipação da menarca está relacionada a fatores socioeconômicos, culturais e política governamental que se integram, pois a falta de atividades físicas e a má alimentação leva ao sobrepeso, causado também pela questão econômica da família e com isto, a menstruação ocorre de forma precoce, podendo causar problemas sociais, biológicos e psicológicos, que vão de leves a graves nas meninas. Assim, são necessárias medidas que estejam voltadas ao acompanhamento das adolescentes, durante essa fase tão importante, de modo a evitar que problemas posteriores ocorram.


A antecipação da menarca é um problema que possui pouca visibilidade e poucos estudos, e com a falta de informação científica, tem sido naturalizada por ter se tornado frequente, principalmente por ser algo ainda pouco discutido socialmente.


As meninas que apresentam a síndrome da antecipação da menarca correm diversos riscos de saúde, na maioria das vezes sem nenhum conhecimento, sendo importante o processo de acesso ao conhecimento necessário, promovido na escola, que lhes permitirá a tomada de consciência sobre a importância da prática de exercícios físicos e de se ter uma boa alimentação.


Ademais, medidas governamentais precisam ser tomadas para garantir o acesso a uma boa alimentação e a realização de atividades físicas (esportes nas escolas, ginástica, dança, ballet etc.), maior fiscalização na produção dos alimentos industrializados, com menor teor de substâncias que promovem danos à saúde, como o excesso de açúcar, sal, gorduras saturadas e aditivos químicos, de modo a assegurar às meninas adolescentes, o direito a saúde do corpo e da mente, com menos riscos de ter que enfrentar situações para as quais ainda não estão preparadas emocional e psicologicamente, como por exemplo: doenças crônicas e gravidez precoce.




[1] Estudante do 5º período no Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da UNEB/DEDC/Campus VIII – Paulo Afonso.



REFERÊNCIAS

ALBERT EINSTEIN. Hormônios femininos. A Jornada da Mulher / Albert Einstein. Publicado em 2017. Disponível em: https://jornadadamulher.einstein.br/2017/08/23/hormonios-femininos/


BARROS, B.S. et al. ERICA: idade da menarca e sua associação com o estado nutricional. Jornal de Pediatria. Rio de Janeiro, Jan/Fev de 2019. p. 106-111. Disponível em: https://www.scielo.br/j/jped/a/nS4DxPy4fqCW9vwbZMm6c8N/?lang=pt. Acessado em: 10 de julho de 2021.


BEM-ESTAR. Especialistas explicam mudanças da menarca e menopausa. Bem-Estar, G1. Publicado em: 24 de outubro de 2011. Disponível em: http://g1.globo.com/bemestar/noticia/2011/05/especialistas-explicam-principais-mudancas-da-menarca-e-menopausa.html. Acesso em: 16 de julho de 2021.


BUBACH, Susana. Idade da menarca, composição corporal e fatores de risco cardiometabólicos em mulheres adultas jovens: análises nas Coortes de Nascimento de Pelotas de 1982 e 1993. Tese. Orientador: Prof. Dr. Bernardo Lessa Horta. Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Pelotas, 2017. Disponível em: http://www.epidemio-ufpel.org.br/uploads/teses/tese%20susana.pdf. Acesso em: 10 de julho de 2021.


CARVALHO, G.; Wellington Roberto; SANTOS FARIAS, Edson; GUERRA-JÚNIOR, Gil. A idade da menarca está diminuindo? Revista Paulista de Pediatria, vol. 25, núm. 1, março, 2007, pp. 76-81. Sociedade de Pediatria de São Paulo - São Paulo, Brasil. Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=406038920014. Acesso em: 11 de junho de 2021.


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VITALLE, Maria Sylvia de Souza; TOMIOKA, Cristina Yuri; JULIANO, Yara; AMANCIO, Olga Maria Silvério. Índice de massa corporal, desenvolvimento puberal e sua relação com a menarca. Rev. Assoc. Med. Bras. 49 (4) • 2003. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ramb/a/3FtRs7LScmnbJkGkyvMYcsr/?lang=pt



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