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ANIMAIS SILVESTRES: BELEZA E BIODIVERSIDADE. Tomar cuidados e ao mesmo tempo, protegê-los.[1]

SANTOS, Rita de Kássia Pereira dos[2]

SOUZA, Viviane de Melo[3]

Universidade do Estado da Bahia - UNEB



O convívio entre seres humanos e os animais faz parte de nossa história evolutiva, e essa relação traz inúmeros benefícios nos mais diferentes aspectos: biológico, ecológico, psicológico. A conexão emocional entre os humanos e as demais espécies é inata e, portanto, genética, variando entre a aversão, admiração e a indiferença (WILSON, 1989).


Santos-Fita e Costa-Neto (2007), ressaltam que “a interdependência da espécie humana com os demais elementos bióticos da natureza tem sido explicada pela hipótese da biofilia, segundo a qual o homem teve 99% de sua história evolutiva intimamente envolvida com outros seres vivos”, cuja relação gerou um sistema de saberes, crenças e práticas culturais que caracterizam os grupos humanos distribuídos por todo o planeta.


Ainda sobre essa questão, Sax (2001), ressalta que “as atitudes do homem direcionadas aos animais evoluíram bem antes das primeiras tentativas de representá-los tanto nas artes e na história quanto nas ciências” (SANTOS-FITA; COSTA-NETO, 2007; SAX, 2001; WILSON, 1985).


Apesar da relação ancestral de proximidade entre humanos e outros animais, atualmente problemas se tornaram visíveis, onde a diversidade de animais silvestres vem sendo ameaçada. Com o objetivo de proteger os animais silvestres, a Lei nº 5.197/1967 proíbe a utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha da fauna silvestre e, pela primeira vez, o ordenamento jurídico-ambiental brasileiro conceitua fauna silvestre em seu Art. 1º:


“Os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a fauna silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são propriedades do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha. Na vigência dessa lei, para o ordenamento jurídico-ambiental brasileiro, a fauna silvestre compreendia todos os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais, não havendo, pois, distinção entre animais silvestres e de animais exóticos. Posteriormente, a Lei nº 7.173/1983 (Brasil 1983) introduziu o termo fauna indígena para designar a fauna silvestre.” (PAZ; PAZ, 2016)


Portanto, a jurisprudência brasileira, tratou de atualizar o conceito de animal silvestre com a implementação da Lei nº 9.605/1998, no Art. 29. § 3º, onde afirma que animais silvestres:


“São espécimes da fauna silvestre todos aqueles pertencentes às espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro, ou águas jurisdicionais brasileiras”. (PAZ; PAZ, 2016).



Vimos o que caracteriza a estreita relação humanos e outras espécies animais, e como a legislação ambiental brasileira conceitua e protege a fauna silvestre do nosso país. Portanto, é importante sensibilizar a sociedade a respeito da proteção e conservação desses animais. Sem eles, os animais silvestres, a biodiversidade desaparecerá e a Terra perderá sua potencialidade de manutenção da vida.


Por outro lado, é necessário chamar a atenção para os cuidados que os humanos devem ter na relação com os animais silvestres, por conta dos riscos e males que estes podem causar. Segundo Cleveland et al. (2001), os animais silvestres de vida livre tanto quanto os de cativeiros, podem ser portadores de doenças com potencial significância à saúde pública.


Como explicado pelo professor Rubens Riscala (2020) do programa de Pós-Graduação em Saúde e Ambiente do curso de Ciências Biológicas da Universidade Tiradentes/Se., “quando o animal é retirado do seu habitat natural e é colocado para viver em situação diferente do seu parâmetro biológico, pode oferecer perigo ao seu cuidador”. Prof. Riscala também ressalta que "animais fora do seu habitat podem causar problemas na rotina da sociedade”. (RISCALA, 2020).


As espécies que são colocadas fora da sua área de distribuição natural é uma ameaça que pode causar um desequilíbrio no ambiente que foi inserido. Ainda segundo Prof. Riscala (2020) as “espécies exóticas podem alastrar-se por conta da ausência de predadores naturais e competir com as espécies nativas por recursos”, para garantirem a sua sobrevivência.


Como exemplo mais atual, tem-se o espalhamento do coronavírus SARS-CoV-2 (patógeno da COVID-19), que tinha como seu habitat natural animais silvestres da Ásia, morcegos (Chiroptera) e pangolins (Pholidota).


Diante do surto pandêmico COVID-19, provocado pelo coronavírus SARS-CoV-2 e um de seus hospedeiros, o morcego, o professor Yan Xiang, virologista da Universidade do Texas (EUA), comenta:


Considerando o tamanho e a disseminação da população de morcegos, o papel do mamífero em tais surtos não é necessariamente surpreendente. O morcego é o segundo mamífero mais comum depois dos roedores, representando quase 20% de todas as espécies de mamíferos. Existem mais de 1.300 espécies de morcegos, e alguns deles podem viver até 40 anos.” (DW, 2020)


O surgimento ou introdução de animais silvestres em um determinado local pode significar também o aparecimento de novos casos de doenças parasitárias em humanos (LAINSON; RANGEL, 2005), como também em animais domésticos. Assim, epidemias estão se tornando mais prováveis à medida que o ser humano invade os habitats destruindo-os ou retirando esses animais de seu ambiente natural. "Os humanos são expostos a vírus como este [coronavírus SARS-CoV-2] pela maneira como se comportam e interagem com os animais." (DW, 2020).


Outro exemplo de desequilíbrio provocado por uma espécie exótica (espécie de organismo que vive fora de seu habitat natural) no Brasil, são os problemas ambientais causados pela proliferação do caramujo gigante africano (Achatina fulica), uma espécie exótica introduzida para fins comerciais, que se disseminou por todo território brasileiro por não possuir um predador natural.


Além de se reproduzirem à vontade sem correrem riscos com predadores naturais, as espécies exóticas podem espalhar patógenos (qualquer organismo que pode produzir doença) que, no seu habitat de origem não levariam preocupações, mas podem oferecer algum risco à saúde da fauna local, onde foram introduzidos.


Zooantroponose é um outro termo dado às doenças zoonoses que podem ser passadas dos animais para o homem. Sobre a zoonose cujo vetor é o Molusco (caramujos), Agudo (2009), destaca que a


“transmissão de um conjunto de doenças parasitárias com prevalência significativa em países da América Latina e África, principalmente, em determinadas situações, a participação dos Moluscos é indispensável para que a transmissão da doença se instale em uma localidade, razão pela qual ganham importância destacada, fundamentalmente, por se tratar de problemas de saúde pública situados na categoria das chamadas “doenças negligenciadas”, ainda diretamente relacionadas ao denominado “Saneamento Ambiental Inadequado”.


Abaixo, está representado o percurso de transmissão do verme Fasciola hepatica (Linnaeus, 1758) (PLATYHELMINTHES: TREMATODA), que ocorre em forma natural no Brasil por 2 espécies de caramujos de água doce da família Lymnaeidae (gênero Lymnaea), em Agudo (2009):


A partir dos exemplos citados, é preciso não esquecer que


“Animais silvestres que vivem em florestas próximas às cidades ou que foram trazidos para áreas urbanas, onde vivem em cativeiro (gaiolas, presos a correntes ou cordas), podem ser transmissores de doenças aos seres humanos.


Essas doenças em sua maioria são causadas por microrganismos (agentes etiológicos) como bactérias, vírus e protozoários, que são seres tão pequenos que só podem ser vistos com o auxílio de um aparelho chamado de microscópio.” (RIBEIRO; MEDEIROS, 2017)


Portanto, várias doenças podem ser causadas por animais silvestres, como as aves, que são potenciais transmissoras de doenças para os seres humanos. Um bom exemplo seria a doença do pombo, que é transmitida para humanos e outros animais, através de um fungo (Cryptococcus neoformans) que vive e se desenvolve nas fezes deste animal. “A infecção humana pode ocorrer por meio da via respiratória, quando se aspira poeiras de ambientes infectados por fezes ou através da ingestão de alimentos contaminados com as excretas de pombos” (SILVA e CAPUANO, 2008).


Sarmento et al (2019) afirmam que “a infestação deste tipo de aves em centros urbanos é vista como um problema de saúde pública. Psitacose, histoplasmose, criptococose, salmonelose, micobacteriose, representam algumas das patologias adquiridas em função de um contato direto com este tipo de ave ou de seus abrigos”.

Outros animais que podem transmitir doenças são os mamíferos, que servem como depósitos para doenças, como a raiva, febre amarela, leptospirose, varíola, dentre várias outras. Além dos mamíferos e as aves, os répteis também podem transmitir, microbactérias atípicas e salmoneloses. BARBOSA et al (2011). (Grifo nosso)


Para controlar a disseminação de doenças transmitidas por animais silvestres, são necessárias ações de controles, que possam ser executadas ou melhoradas pelos órgãos competentes nas esferas municipal, estadual e federal, junto às universidades e ONGs dentre várias outras instituições públicas e/ou privadas. Mas vale lembrar que, ainda com a atuação desses órgãos, a extensão do território brasileiro e a diversidade da fauna dificultam a implementação de medidas adotadas. Entre as medidas de controle pode-se destacar, o estudo e monitoramento populacional de animais silvestres (especialmente aqueles de interesse à saúde pública), divulgação de resultados e notificação de focos (especialmente no caso de zoonoses de notificação compulsória).


Outra medida a fim de evitar os riscos causados pelos animais silvestres é a melhoria da fiscalização sobre o tráfico pois, além das doenças, ocorrem muitos acidentes com esses animais. Um acidente que ficou muito conhecido no brasil, foi o do estudante de medicina veterinária, que foi picado por uma cobra naja (da família Elapidae, originária da África e da Ásia); após o incidente, o estudante ficou hospitalizado por uma semana e chegou a ficar em coma. Como a cobra não é natural do Brasil, existia apenas uma dose do soro (UOL, 2020), para que o estudante fosse tratado. Além do acidente, o jovem estudante foi acusado por tráfico e crimes ambientais.


Vale destacar que no Brasil não tem uma legislação específica sobre a criação dos animais silvestres, mas sim leis de crimes ambientais (Lei 9.605/98), a lei de política nacional do meio ambiente (Lei 6.938/81) e a lei de proteção à fauna (Lei 5.179/67). Essas leis classificam como crime a introdução de espécies exóticas na fauna brasileira, sem as licenças necessárias, para que isso ocorra de forma legal.


Segundo regulamentações do IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) é proibida a criação doméstica de animais como serpentes peçonhentas, nativas ou exóticas. (OECO, 2014; VGRESÍDUOS, 2020; UNIT, 2020).


Para evitar “problemas” como esses causados pelos animais silvestres, é necessário sensibilizar toda a população, sobre os riscos e responsabilidade envolvidos na retirada ou compras ilegal desses animais. A Educação é um fator importante para que a população compreenda a necessidade de evitar o tráfico de animais silvestres, pois esclarece sobre os diversos impactos negativos que a perda e extinção desses animais para o ecossistema planetário como, por exemplo sua contribuição para a imensa biodiversidade, principalmente em relação às plantas, ajudando na dispersão de sementes.


Veja alguns exemplos de animais silvestres e sua importância ecológica, abaixo:


“cutia (Dasyprocta spp), principal dispersor das castanhas-do-pará (Bertholletia excelsa); dispersão de sementes de jatobá (Hymenaea courbaril) por cutias e antas (Tapirus terrestres); macaco-prego (Cebus apella) e o macaco mono-carvoeiro (Brachyteles arachnoides); dispersão por aves temos a pitanga (Eugenia spp.), a bicuíba (Virola spp.), embaúbas (Cecropiaceae), figueiras (Moraceae), jaracatirão (Melastomataceae), canelas (Lauraceae), araçás (Mirtaceae); dispersão por mamíferos temos o araçá (Campomanesia spp.), o bacupari (Rheedia gardneriana), palmeiras (Arecaceae) e os araticuns (Annonaceae); dispersos por morcegos temos embaúbas (Cecropiaceae), figueiras (Moraceae), juás (Solanaceae) e pimenteiras (Piperaceae). Existem até os adaptados à dispersão por formigas, como a mamona (Riccinus communis) e o capixingui (Croton spp.)” (FIORI, 2001; BIOTA, s/d), como também as abelhas, através da polinização.




[1] Texto de divulgação científica, elaborado para a Disciplina Estágio Supervisionado II, sob a orientação da Profa. Dra. Josilda B. Lima M. Xavier. Publicação no BioBlog do site https://www.labcriatumbuzeiro.com/ em maio/2021.


[2] Estudante do 8º período da graduação no Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da UNEB/DEDC/Campus VIII – Paulo Afonso.


[3] Estudante do 8º período da graduação no Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da UNEB/DEDC/Campus VIII – Paulo Afonso.



REFERÊNCIAS


ACHA, P.N.; SZYFRES, B. Zoonosis y enfermedades transmisibles comunes al hombre y a los animales, 3ª ed., Washington: Organización Panamericana de la Salud. 2003. 989p


AGUDO, Ignácio. Moluscos e Saúde Pública no Brasil. Coquiliogistas do Brasil. Publicado em setembro de 2009. Disponível em: http://www.conchasbrasil.org.br/materias/saude/msaudebra.asp


BARBOSA, Amanda Duarte; MARTINS, N. R. S.; MAGALHÃES, D. F. Zoonoses e saúde pública: riscos da proximidade humana com a fauna silvestre. CiencVet Trop, v. 14, p. 1-9, 2011.


BIOTA. Biodiversidade de interações entre vertebrados frugívoros e plantas da mata atlântica do sudeste do Brasil. Biota. O Instituto Virtual da Biodiversidade. / Auxílio FAPESP 98/05090-6; s/d. Disponível em: https://www2.ib.unicamp.br/projbiota/frugivoria/inter.html


CLEAVELAND, S.; LAURENSON, M.K.; TAYLOR, L.H. Diseases of humans and their domestic mammals: pathogen characteristics, host range and the risk of emergence. Philosophical Transactions of the Royal Society Biological Sciences, London, n. 356, p. 991–999, 2001.


DW. De morcegos a pangolins: como vírus chegam até o ser humano? DW – Deutsche Welle /Made ofr minds / Notícias / Ciência e Saúde. 2020. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/de-morcegos-a-pangolins-como-v%C3%ADrus-chegam-at%C3%A9-o-ser-humano/a-52969233


FIORI, Ana Maria. Sem bichos, a floresta morre. Pesquisa Fapesp. Publicado em março de 2001. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/sem-bichos-a-floresta-morre/


LAINSON, R.; RANGEL, E.F. Lutzomyia longipalpis and the eco-epidemiology of American visceral leishmaniasis, with particular reference to Brazil - A Review. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, v. 100, n. 8, p. 811-827, 2005.


MADE, RUBENS RISCALA. Biólogo alerta sobre cuidados com animais silvestres. Universidade Tiradentes - UNIT, 22 de Julho de 2020. Disponível em: <https://portal.unit.br/blog/noticias/biologo-alerta-sobre-cuidados-com-animais-silvestres/>. Acesso em 10 de Abril de 2021.


OECO. O que é a Lei de Crimes Ambientais. O Eco / Notícias. Publicado em 8 de maio de 2014. Disponível em: https://www.oeco.org.br/dicionario-ambiental/28289-entenda-a-lei-de-crimes-ambientais/


RIBEIRO, Vânia Maria França.; MEDEIROS, Luciana dos Santos. Animais silvestres: convivência e riscos. Rio Branco, Acre: EDUFAC, 2017. Disponível em: http://www2.ufac.br/editora/livros/animais-silvestres-convivencia-e-risco.pdf


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WILSON, E. O. Biophilia. London: Harvard University Press, 1986.


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